quarta-feira, 9 de abril de 2008

Filmadora digital aposta na simplicidade para gravação de vídeos



Frente (esq.) e verso da câmera Flip, que troca o excesso de funções por operações práticas (Foto: Reprodução)

Flip troca excesso de funções pela praticidade do 'aponte e grave'.
Câmera foi lançada em 2007 nos EUA e não está disponível no Brasil.
Bom, isso é meio embaraçoso. Um dos produtos eletrônicos mais significativos do ano entrou no mercado, tornou-se um mega sucesso, mudou a indústria – e eu não fiz uma resenha sobre ele ainda. Ultimamente, minha culpa aumentava a cada vez que alguém aparecia com o aparelho para me mostrar. “Olha só o que minha filha que está na primeira série fez com isso”, me disse um cara. “Nós estamos usando o aparelho em escolas para ensinar estrutura narrativa”, me disse um professor numa conferência. “Comprei duas, uma para minha avó, de 80 anos”, me disse um vizinho, “e outra para o meu filho de cinco anos”. OK, espere aí – o que é isso?
para ser segurada verticalmente). E no ano que passou desde sua criação, ela abocanhou 13% do mercado de câmeras, segundo seu fabricante, a Pure Digital.
O modelo mais recente, o Flip Ultra, foi lançado há seis meses com uma qualidade de vídeo ligeiramente aperfeiçoada, maior capacidade de armazenamento, um tripé e melhor aparência (está disponível em branco, preto, laranja, cor-de-rosa e verde). Essa foi a câmera de vídeo mais vendida da Amazon.com desde que foi lançada.

Mente aberta
Agora, para que você compreenda o apelo desse aparelho, você terá de ter não uma mente aberta, mas uma mente praticamente vazia. Porque no papel, a câmera Flip soa como um brinquedo de mau gosto que não enganaria nenhum nerd que se preze; enganar um colunista de tecnologia então, nem se fala.


A tela é minúscula (1,5 polegadas). Não é possível bater fotos. Não há fitas ou discos, então você tem de descarregar os vídeos em um computador quando a memória fica cheia (30 a 60 minutos de gravação, dependendo do modelo: US$150 ou o de US$180). Não há menus, nem ajustes, nem iluminação para vídeo, nem visor óptico, nem efeitos especiais, nem entrada pra fone de ouvido, nem alta definição, nem protetor para lente, nem cartão de memória. E não há zoom óptico também – apenas um zoom digital de 2x que aproxima a imagem ao mesmo tempo em que piora a qualidade dela. Ai.



Em vez disso tudo, o Flip foi reduzido à mais pura essência da captura de vídeo. Você pode ligá-lo e ele está pronto para começar a gravar imagens em segundos. Você aperta o botão vermelho uma vez para gravar e uma para parar. Você aperta Play para ver o vídeo novamente e o botão de Trash (Lixo) para deletar o clipe. E aí está: esse é o manual do usuário completo. Mas, falando sério, 13% do mercado? Essa coisinha limitada? O que é que está acontecendo?
A entrada USB dispensa o uso de cabos para conectar a câmera ao computador (Foto: Divulgação)
Direto ao ponto


Após ter finalmente experimentado o Flip, eu agora tenho a resposta: ele é demais. Está sempre pronto, sempre com você e é sempre confiável. Em vez de ser um defeito, a simplicidade aumenta suas qualidades. Comparações com uma câmera de verdade não fazem sentido, nesse caso, porque o Flip é algo totalmente diferente: é o equivalente em vídeo a uma câmera Kodak do tipo “aponte e fotografe”. Ele é a própria definição de “menos é mais”. A lição aqui é algo que a indústria eletrônica parece ter perdido em diversas ocasiões: o excesso de funções (ou “funcionite”) geralmente prejudica o produto, em vez de aperfeiçoá-lo.


No caso do Flip, o tamanho, formato, rusticidade, baixo preço e simplicidade de operação com um único botão o levam a lugares a que nenhuma câmera de verdade iria. Bolsas, bolsos de casacos, sacolas de praia. Locais para esquiar, playgrounds, visitas a casas, museus, entrevistas casuais, vídeos para o YouTube, salas de aula, aviões – e com um estojo de acrílico fechado de US$ 50, até mesmo debaixo d´água. O Flip se sai bem em quase todos os lugares, menos em apresentações ao vivo e esportes, porque o zoom não é muito bom.


A qualidade de áudio e vídeo é surpreendentemente boa – não tão precisa quanto a de um gravador com fita ou uma câmera de foto digital, mas muito superior ao vídeo de um telefone celular. A resolução é de TV (640 por 480 pixels, 30 quadros por segundo), com uma imagem sutilmente mais suave do que as que você obteria com uma câmera de verdade. O que impressiona é a capacidade do Flip de funcionar com pouca luz, que ultrapassa até a das câmeras de US$ 1000. A imagem não é apenas livre de grãos, mas cenas gravadas com pouca iluminação parecem mais claras do que pareciam a olho nu.

Conexão com o computador
Depois que você já tiver gravado algumas cenas, desliza um botão e – poing! – uma conexão USB surge num ângulo de 90 graus em relação ao corpo da câmera. Isso também faz parte do “zen” do Flip. Você é poupado do incômodo de guardar, monitorar e encontrar um cabo USB. Em outras palavras, a coisa toda se encaixa na entrada USB do seu computador.



A essa altura, o ícone do Flip aparece na sua tela como se fosse um disco. Se você abrir, encontrará uma pasta cheia de clipes, que você pode assistir, copiar para seu disco rígido ou editar na maioria dos programas padrão de edição. Tudo o que é necessário, infelizmente, é uma instalação única de um codec especial (um tradutor de formato de vídeo).



Mas sabe o que mais tem naquele disco “Flip” no seu computador? Um programa de edição extremamente básico para Mac ou Windows. Ele permite que você encurte as cenas, remonte-as, delete-as ou faça upload delas em versão de qualidade reduzida para o YouTube ou AOL Vídeo – ou, ainda, envie uma versão reduzida por e-mail. Esse software super simplificado não deixa você adicionar música, fazer cross fades, colocar créditos e tudo mais – ele não permite nem que você divida um clipe ao meio – mas aqui, de novo, a missão é fornecer as funções essenciais com o mínimo de complicação. A versão para Mac do programa permite que você rearranje os clipes para playback, mas o resultado não pode ser exportado, como é possível na versão para Windows.


Você também pode conectar o Flip diretamente à sua TV utilizando um cabo que vem com ele. O vídeo não tem qualidade de DVD, mas de TV comum. Como alternativa, você pode levar sua câmera para qualquer drogaria norte-americana e eles podem transformar sua filmagem num DVD por US$13. Lá você também pode pegar um par de baterias AA para seu Flip. (as alcalinas duram duas horas, as Aas recarregáveis duram cerca de cinco horas).
Amigo do usuário


Mas por que motivo, exatamente, uma máquina que faz tão pouco é tão amada pelas pessoas que a compram? Uma história engraçada: há anos, Jeff Hawkins, fundador do Palm, decidiu desenvolver o alfabeto Graffiti de reconhecimento de escrita à mão para Pilots com touchscreen. Mas, como nenhuma tecnologia é capaz de reconhecer a escrita à mão de todo mundo, ele ponderou, ele criou um alfabeto especial em bloco que dá uma precisão de 100% – se você escrever as letras do jeito dele. Seus funcionários acharam que aquela era uma idéia terrível. Fazer com que os consumidores reaprendessem o alfabeto? Mas Hawkins, um dos cientistas que estudava o cérebro humano, sabia uma coisa sobre pessoas: se você for bem sucedido em algo na primeira tentativa, você se apaixona por aquilo instantaneamente. E é claro que as pessoas se apaixonaram na primeira vez que escreveram num Pilot com um alfabeto especial e viram as letras se transformando em texto digitado na tela.

É assim que as coisas funcionam com aparelhos como o Flip. Eles são tão simples e dominá-los é tão imediato que sua sensação de orgulho e felicidade também é. Já existem imitadores do Flip. A Thomson licenciou a tecnologia e vende uma versão mais poderosa chamada RCA Small Wonder por US$100, com uma tela móvel que se abre e uma entrada para cartão de expansão de memória. A net Sharing Cam, da Sony, (US$150, NSC-GC1), tem formato similar, mas tem uma tela que abre e fecha maior, entrada para cartão e bateria recarregável. Mesmo esses aperfeiçoamentos são complicações: mais partes móveis, mais coisas para aprender, mais elementos com os quais se preocupar.



Cada função adicional vai diminuindo aquela sensação de se ter dominado o aparelho, aquela zona de conforto mental. Se você alguma vez tirou uma foto quando queria, na verdade, fazer um vídeo, ou vice-versa, você sabe disso muito bem. Alguém da Pure Digital deve ter passado por inúmeras reuniões se recusando a ceder terreno às forças dos “maníacos por funções”. Um bônus alto ou até mesmo uma carreira como palestrante em seminários de gerenciamento com certeza são recomendados para ele. Pronto. Sinto-me bem por finalmente ter feito a resenha dessa pequena câmera inovadora.

A entrada USB dispensa o uso de cabos para conectar a câmera ao computador (Foto: Divulgação)

* David Pogue é colunista de tecnologia do “The New York Times”. Autor de diversos livros, ele também é responsável pela série Missing Manual, que ensina como usar programas de computador.

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