sexta-feira, 4 de maio de 2007

TV digital vai perder na luta por espaço com a web

Emissoras e governos investem bilhões e perdem precioso tempo discutindo a digitalização da TV. Subestimam o potencial da web, com custo reduzido, mais interatividade e abrangência.

Por Stivy Malty Soares

Há um sem número de afirmações sem embasamento e com uma acentuada visão generalista sobre a TV digital. Não é uma assinatura de decreto, nem intenções de estudos e investimentos por parte do governo e da iniciativa privada, que serão suficientes para termos em prática e no prazo esperado a tão badalada rede de televisão digital no Brasil.

Quem acompanhou o NAB 2007, em Las Vegas, sabe que ainda há um caminho demasiado extenso até que a tecnologia decole de fato. Nos Estados Unidos, o próprio governo estendeu o prazo para extinção da difusão analógica por mais 15 anos, ciente de que a estrada é longa. Incrivelmente, no Brasil o prazo “final” é 2016. Uau! Antes dos Estados Unidos!

Alguém arrisca um prazo real? 2020? 2030?

Apesar das dificuldades que ainda virão, logicamente, qualquer avanço é sempre muito bem-vindo, sobretudo quando promove inclusão social e, neste caso, digital em seu amplo sentido. Um rol importante de interesses e tendências que permeiam o tema, todavia, não tem recebido a devida atenção.

São benefícios claros e diretos, oriundos da tecnologia apresentada pela TV digital, independente de ser a japonesa, americana ou européia. A significativa melhora na qualidade do áudio e da imagem. Esta, perderá todo o ruído. No sistema digital, ou a imagem é perfeita ou não existe.

Vamos ao tema espinhoso. Estima-se um gasto da ordem de bilhões de dólares para os próximos anos e ninguém ainda arrisca um número preciso. A maior parcela do custo ficará por conta do consumidor, apenas na aquisição de receptores e unidades decodificadoras dos sinais digitais ou de aparelhos televisores preparados, além de transmissores para comunicação bidirecional. Outra parcela dos custos ficará com as emissoras, na renovação dos estúdios, dos transmissores e para a aquisição de sincronizadores (clocking) que resolverá o problema de concorrência de sinal onde mais de uma antena atuar. Apenas estes últimos, sozinhos, consumiriam todo o recurso disponibilizado no Brasil pelo BNDES e muito mais.
Investimento com dinheiro público

O SBT acaba de conseguir o primeiro financiamento junto ao BNDES para o início do processo de digitalização. Valor de R$ 9,2 milhões, que deverá, apenas, preparar o caminho para começar a gastar. Aliás, precisavam pedir emprestado?

Por falar em BNDES, o Programa de Apoio à Implementação do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (Protvd) assegura uma política de financiamento à implantação do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre, com o montante de R$ 1 bilhão divididos em grupos com atividades de pesquisa e desenvolvimento, modernização da infra-estrutura, produção de seus insumos (software, equipamentos e componentes) e novos conteúdos digitais.

Porém, esse financiamento deverá gerar recursos aos empreendimentos para que justifiquem seu retorno aos cofres públicos. E justamente aí é que está o problema. Aumento na qualidade da imagem e de áudio não aumenta a receita das emissoras, talvez um pequeno aumento na abrangência do seu sinal, questionável, dadas as características dos sinais digitais.

Se pautarmos os argumentos na qualidade, encontraremos pesquisas que mostram que cerca de 5,2 milhões de brasileiros ainda possuem apenas televisores em preto e branco, que costumam ter um custo máximo na ordem dos R$ 100, que é o preço inicial estimado apenas para o Set Top Box (STB) que funciona para a recepção do sinal digital.

Imaginem a festa de todo esse povo recebendo sinal de imagem com alta definição (HDTV) e som em Dolby Surround… nas caixinhas de 10 polegadas e em preto e branco. Uhu!

Ainda podemos falar sobre detalhes comparativos entre o número de domicílios com TVs em cores de pequeno porte frente às TVs de alta definição (HDTV), de plasma e LCD – estes últimos felizardos, sim, os principais beneficiados com um sinal de melhor qualidade. Apenas os consumidores das classes A e B terão benefício direto – os mesmos que já possuem acesso à internet, em sua maioria, banda larga.

A geração das classes A e B nascida após 1990, hoje consumidores, passam muito mais tempo em frente ao computador do do que em frente à televisão, efeito paradoxal ao que se espera com os investimentos em TV digital. Será necessário que os investimentos nessa tecnologia gerem um retorno financeiro capaz de cobrir os custos e ainda dividendos. Mas, como? Nem David Copperfield vai dar conta do recado.

Se o novo consumidor, público alvo da TV digital, passa mais tempo na internet do que em frente à TV, e considerando a premissa indiscutível da super interatividade proporcionada pelo ambiente web, que sentido faria tirar dinheiro daqui para aplicar em algo com apelo talvez social que, ao que tudo indica, terá baixa aderência a quem interessa realmente?
A web como plataforma televisiva

A web proporcionará às emissoras algo inimaginável de se conseguir com a TV digital, tanto quanto com a TV analógica: a interatividade plena e bidirecional, por conceito, com o consumidor. Nesse sentido, a TV digital ficará às mínguas.

Obviamente, não significa a extinção da TV, nem migração em massa, porém, quando se pensar em interatividade e participação, não se pensará nela, mas na web. Isso não significa que o Joost, o novo EyeVio, da Sony, o YouTube ou mesmo os sistemas de redes privadas, como o Globo Mídia Center e o PipeLine da CNN, serão a revolução. Falta, a todos, atender aos interesses das emissoras ao invés de apenas do público.

Nos corredores das grandes emissoras de TV e das novas WebTVs, circulam comentários sobre o HYPEst, um projeto brasileiro que deverá mudar de forma irreversível o conceito de medição de audiência (hoje duvidosamente estimada) à aplicação de campanhas de marketing, direcionadas e assertivas.

Se é para gerar mais custo, que se invista na própria internet, que já é o principal meio de informação e comunicação dos novos consumidores. Por que uma emissora, com claros fins lucrativos, investiria bilhões em equipamentos para o sistema de TV Digital se o seu maior consumidor, fonte de maior receita, está na internet? Um ambiente no qual se consegue resultados muito mais positivos com cerca de um décimo do investimento.

Outro ponto a favor da TV digital é a possibilidade de assistir a programas em horários alternativos, porém ainda sincronizados com a transmissão das emissoras. Na web, isso nem existe, de tão simples, pois a web tem como conceito básico a flexibilidade da audiência em qualquer tempo, sobre qualquer plataforma e em qualquer lugar.

Opa… Em qualquer lugar? Exatamente. Através da web qualquer pessoa pode assistir a qualquer programa de qualquer emissora, a partir de qualquer lugar no mundo e quando bem entender. E onde fica a TV Digital? Sumiu novamente? Opa.

Para encurtarmos a reflexão, deixando uma boa margem para discussões e críticas, deixo um pensamento sob forma de questionamento:

A digitalização do sistema de televisão é um caminho sem volta e muito bem-vindo e almejado, pois nos coloca numa nova etapa repleta de possibilidades ainda não discutidas, porém, erra-se em afirmar que a TV digital é revolucionária, sob vários aspectos. Então, pontos positivos e negativos considerados, qual o futuro dessa tecnologia frente ao poder da web como nova plataforma para as emissoras? [Webinsider]

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Sobre o autor

Stivy Malty Soares (stivy@telium.com.br) ministra palestras sobre o mercado de tecnologia e sobre design. Estudou Engenharia Elétrica e Design de Produtos.

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